A corrida pelos presentes nos últimos dias foi substituída pela velocidade dos próprios pais na data dedicada a eles. O resultado foi ver a terceira Meia-maratona Braskem de Revezamento quebrar o recorde Norte/Nordeste de participantes na modalidade. Os números indicaram 267 duplas e 597 quartetos. Se a matemática somou 2.922 inscritos, a imprecisão não calculou os milhares de amigos e familiares que fizeram a beleza da festa no Farol da Barra, vencida pelo quarteto masculino do Cruzeiro de Belo Horizonte, com o tempo total de 1h02min43s.
Acostumados a comerem pelas beiradas, os mineirinhos do atletismo de rua não puderam usar o expediente favorito. O título no ano passado fez com que todos focalizassem as estrelas de camisas azuis e fizessem daquelas largas passadas a bússola da melhor tática em prol da vitória. O problema foi quem está acostumado a caminhar no Dique do Tororó, na Avenida Paralela ou na orla de Salvador acompanhar o passo de quem faz do esporte uma opção de vida mais parece ser máquina a ser humano.
Na ausência de conterrâneos na disputa pela ponta, a alternativa foi fazer figa para os temidos quenianos também liberarem a potência dos músculos em benefício da emoção. E foi justamente esta perseguição que marcou as duas das quatro primeiras voltas da prova. Na ladeira que leva ao Cristo _ onde muita gente sentiu falta de ar e colocou a língua para fora _, o queniano Elijah Yator, vencedor da Meia-Maratona Internacional da Bahia ano passado, apertou o passo e deixou para trás tanto o conterrâneo Charles Kipngetich como o cruzeirense João Ferreira.
Após o retorno na altura do Colégio Isba, o brazuca de apelido João da Bota foi o calo na vida africana, levando ao delírio os mais de dois mil anônimos presentes na linha de chegada, no Farol da Barra, diante do edifício Oceania. Por um segundo, o atleta do Quênia completou o primeiro quarto do revezamento na frente, com direito a volta mais rápida da terceira edição: 1min04s. A vontade em não perder a liderança foi honrada, mas custou o fôlego reservado no pulmão. Elijah corria em dupla mista com a conterrânea Anne Berer, enquanto João da Bota tinha auxílio do trio Nélio Moura; Lindomar Oliveira, o Pantanal; e Luís Paulo Antunes.
Na famosíssima estratégia “pernas para que te quero”, Nélio forçou a ultrapassagem na mesma subida para o Cristo e terminou os 5.275m de seu giro com 39 segundos de vantagem para o maior rival. Dali em diante, o Cruzeiro passou a ampliar a diferença para os demais rivais, esnobando a alternativa de poder administrar a vantagem em prol do sonho de chegar o mais próximo possível de uma hora “cravada”. A dupla Charles Kipngetich e Richard Maiyo, que conquistou a vice-liderança durante a terceira volta, sentiu o forte calor que fez ontem pela manhã e “entregou” a posição para o quarteto da Equipe de Corrida Copas na descida para o Barravento, a pouco mais de 500 metros da linha final.
Técnico exalta iniciativa do clube - Foi difícil acreditar que Alexandre Minardi passou o Dia dos Pais longe da família. O técnico da equipe de corrida do Cruzeiro estava tão eufórico com a conquista dos filhos adotivos que nem pensou em ligar para casa para compartilhar a glória alcançada em Salvador. Preferiu parabenizar a diretoria de um clube que nasceu e que vive para o futebol, porém sem deixar de investir há duas décadas no atletismo.
“Entrei no Cruzeiro em 1983, na gestão de Carmine Furletti. Desde então, todos os presidentes investiram no atletismo, mas nenhum tanto como o ex-presidente Zezé Perrella e o atual, Alvimar de Oliveira Costa”, destacou um homem já adulto, mas que de tão alegre parecia uma criança ganhando presente. “É com minha vibração que o atletismo de nossa equipe vai para cima”, justificou-se.
Minardi, sobrenome famoso na Fórmula-1 pela lentidão dos carros ao em vez de qualquer sucesso na pista, encontrou fôlego para correr os últimos 200 metros. Com a bandeira da raposa mineira em punho, ele se constituiu no pano de fundo do triunfo consumado por Luís Paulo. “Sou roupeiro, faxineiro, motorista, técnico e supervisor. Já fui atleta, mas hoje faço o que for preciso”, definiu-se ainda atônito com o resultado e cercado por microfones e câmeras.
“Tem vezes que pego a van do clube e vou na casa de cada atleta para viajarmos juntos”, contou. “Sabíamos que seria difícil, mas nunca entramos para perder”, emendou, declamando plagio mais que comum para, depois, empolgar-se novamente aos risos. “Nesses 20 anos, não vencemos sempre, claro, mas só umas três ou quatro vezes não fomos ao pódio”.
O profissional multifunção preferiu não comentar o valor da verba que a equipe celeste investe no atletismo. Deu a dica que não chega sequer ao salário médio de um jogador dos profissionais da bola, cerca de R$30 mil por mês, mas argumentou ser suficiente para manter acesa a chama pela corrida de rua. “O presidente Alvimar está negociando um novo patrocínio para o time de futebol e, se este for acertado, haverá uma parcela para nós. Aí, sim, o trabalho vai deslanchar”.
A equipe de atletismo do Cruzeiro é composta por 20 corredores, 11 titulares e outros nove reserva, conta Minardi. “É que 11 vivem do esporte. Os demais, têm dupla jornada de trabalho”, finalizou, sorrindo, simplesmente por conseguir através da superação estar à frente da dificuldade que a vida impõe.
Funcionários da Braskem fazem a festa - Eles não estão sequer na lista de vencedores distribuída à imprensa e ninguém tampouco sabe qual o tempo exato que completaram a meia-maratona. Vilton Santos, Jefferson Pataro, Uilson Campos e André Pulgas são os semi-anônimos da terceira edição. Semi, por dois motivos. Primeiro, porque anônimo original é quem faz a alegria espontânea na pista ou fora dela e, segundo, porque basta perguntar por eles na Braskem que a resposta virá ligeira: os vencedores na categoria funcionário.
No esclarecimento, anônimo de pista é uma figura que chama atenção por não ter qualquer estilo ou por tê-lo de sobra. Como um senhor próximo dos 40 anos, barbudo, de óculos escuros e que correu vestindo um biquíni preto, sem tanga, provocando risos por onde passou. Foi tão anônimo que não quis conversar com a reportagem, preferindo retirar o chip para não pagar multa. “Com mais uns dez ou 15 deste aí a prova é sinônimo de sucesso”, opinou um maldoso e não menos sincero balizador de prova _ eram quarenta ao todo, além de 20 árbitros na fiscalização e 200 pessoas no grupo de apoio. Fora da pista, a própria palavra público já impõe o anonimato geral.
“Tivemos que colocar uma equipe mais forte este ano porque nas duas primeira provas o pessoal de Alagoas venceu”, contou Jefferson Pataro, que largou como desconhecido e saiu com troféu, coroado com louros de atleta olímpico e com cheque de R$4 mil para dividir com a equipe. “Fica para a próxima a tentativa do troco, mas o que vale é a confraternização”, opinou Urbano Macedo, satisfeito pela segunda posição do time Pajuçara com Mário Jorge, Valdson Correa e Reinaldo.
O translado de funcionários de outros estados foi bancado pela Braskem com o objetivo de reforçar a prática do desporto. “Sempre fui um entusiasta por esporte. Agora, concilio a qualidade de vida com o prazer por correr”, ensinou o vice-presidente da Braskem, Bernando Gradin, segundo colocado categoria quarteto misto funcionário.
O presidente da Federação Bahiana de Atletismo, Og Robison, destacou o nível de organização da prova, mesmo com o desleixo da empresa transportadora não levar medalhas suficientes para contemplar todos _ houve garantia que a recordação será entregue em casa, via correio. “Os clubes de corrida são um fenômeno mundial e a Bahia cresce pela entrada de um segmento especial, o das pessoas que querem qualidade de vida e saúde”, comentou com o tradicional sorriso.
Na fictícia competição entre clubes de corrida, o destaque foi o Multsport, do professor Gilmário Mendes, o popular Alegria, vencedor na dupla feminina, com sua esposa Marily dos Santos, e na dupla mista. “Não daria para fazer um conjunto tão forte para vencer o Cruzeiro. Então, o técnico optou por nos separar para disputarmos várias categorias e nos divertirmos”, finalizou Manuel de Jesus Teixeira, o Teixeirinha, vice-campeão no quarteto misto.
Ana Dortas, diretoria médica da competição, informou que foram realizados dez atendimentos médicos, todos com “atletas de final de semana”. “Não houve qualquer caso grave. Somente uma pessoa foi transportada para o Hospital Espanhol com desidratação”. Nada que repouso e soro não solucionem _ a luta pelos R$60 mil em prêmios fica para o ano que vem.
RESULTADOS
DUPLA FEMININA
1 - Marluce Queiroz e Marily dos Santos - Multsport - 1h19min21s
2 - Adriana dos Santos e Sandra Regina - Multsport - 1h29min03s
3 - Maria de Cássia e Denise Muricy - JC Corb - 1h39min14s
DUPLA MASCULINA
1 - Charles Kipngetich e Richard Maiyo - Fila - 1h04min59s
2 - Jair José da Silva e Edilson Vieira da Silva - ACB - 1h05min50s
3 - Fábio Chagas e Gilson Silva - Pão de Açúcar - 1h06min-46s
DUPLA MISTA
1 - Giomar Pereira e Ednalva Lauriano - Multsport/Mizuno - 1h09min32s
2 - Elijah Yato e Anne Berer - Fila - 1h10min32s
3 - Jailson de Oliveira e Adriana Oliveira - Bahia Runner - 1h36min03s
QUARTETO FEMININO
1 - Reneide Sacramento, Giovana Pereira, Tatiane Souza e Cristiane Teodoro - Sudesb - 1h20min57s
2 - Rosangela Vieira, Nadja Maria, Vera Lúcia e Sara Liberato - ACB - 1h21min10s
3 - Maria da Conceição, Fernanda Yara, Luciane Holanda e Lussandra Matos - ACB - 1h24min15s
QUARTETO MASCULINO
1 - João Ferreira Lima, Nélio Moura, Lindomar Oliveira e Luis Paulo - Cruzeiro - 1h02min43s
2 - Cláudio Rodrigues, José Mauro Leite, Laelson da Silva e José Vitório - Corpas - 1h04min47
3 - Cosme Gomes, José Nelson, Edivaldo Dantas e Antonio Alcântara - Equipe Esporte - 1h07min10s
QUARTETO MISTO
1 - Marcos Antonio Pereira, Edson Arruda Santos, Enio Kleiton e Antonia Lins - Sportvida - 1h06min58s
2 - Jorgivaldo Oliveira - Edielza dos Santos, Manoel de Jesus Teixeira e Joelson Oliveira - Multsport - 1h07min29s
3 - Sizinio Palma, Viviany Anderson, José Cícero e José Everaldo - Multsport - 1h10min07s |